maio 19, 2011

Zona do Euro sem Strauss-Kahn.

Quanto vi Dominique Strauss-Kahn, diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI) e possível candidato à presidência da França, sendo levado algemado pela polícia, foi embaraçosa e preocupante. Parecia até o Brasil. (Desculpem a piada. Aliás, alguém se lembra de alguma autoridade exposta presa e algemada aqui no Brasil?)
Mas vamos deixar a justiça o que é da justiça e esperar que o correto prevaleça. Mas, caso o Sr. Strauss-Kahn, profissional competente, seja inocentado, o incidente projetará uma longa sombra.
Quando Strauss-Kahnfoi indicado e nomeado como diretor-gerente do FMI, tive minhas dúvidas sobre a nomeação. Primeiro ponto por ser mais um francês no comando do FMI. Segundo, por sua origem vir da política. E terceiro, devido aos seus fundamentos econômicos. Pois bem, eu estava errado. Ele se revelou o homem certo no lugar certo na hora certa, ousando na tomada de decisões, um político eficaz e um economista competente. Essa combinação é muito rara. Provavelmente, nenhum dos candidatos em discussão se desincumbiria da missão como ele o fez durante a pior fase da turbulência econômica mundial e, depois, das crises financeiras na zona do euro.
Esperava-se Strauss-Kahn concorrendo à presidência da França e consequetemente, sua vitória. Reconhecidamente possuidor de recursos ausentes no atual presidente francês, Nicolas Sarkozy, Strauss-Kahn com seu peso intelectual e político aliado a sua credibilidade, principalmente perante as autoridades governamentais da principal potência europeia, Alemanha, traria uma real transformação na capacidade da zona do euro de administrar sua atual crise interna. Uma das poucas altas autoridades econômicas europeias a quem os dirigentes alemães, particularmente a chanceler Angela Merkel, davam atenção, Strauss-Kahn em momentos cruciais foi capaz de reunir os europeus, produzindo consenso até em um governo alemão dividido. Não consigo imaginar quem poderia substituí-lo.
Inevitavelmente, já há muita discussão sobre quem poderia substituir Strauss-Kahn no FMI. É fácil lembrar tecnocratas competentes em todo o mundo. É também possível pensar em personalidades politicamente eficazes. Ninguém combina essas facetas gêmeas como ele. Nosso ex-presidente do Bacen, Henrique Meirelles, já foi fortemente cogitado à função, mas a questão da nacionalidade também se coloca. Os europeus insistirão em que seja outro europeu, possivelmente Christine Lagarde, atual ministra das Finanças francesa e principal rival de Meirelles para o cargo. Para os países emergentes (Brasil), é fundamental que se tenha uma pessoa do calibre de Meirelles, respeitado pelo mercado, conhecido e reconhecido internacionalmente e competência técnica e política indiscutível. Mas, dado o papel central desempenhado pelo FMI agora na zona euro como fonte de financiamento é difícil imaginar que os europeus abririam mão de ter o controle do orgão, principalmente para os que antes eram seus devedores e agora são seus credores. Desconfio que os EUA os apoiariam, e, nesse caso, terão os votos necessários.

A queda de Strauss-Kahn acontece em um momento importante. O programa grego não funcionou como planejado e nada fazia crer que funcionaria ou funcionará. Portugal, com seu programa de € 78 bilhões, parece tanto ou mais provável que também falhe. A Espanha está longe de garantir irá conseguir administrar os ajustes que tem pela frente. Além disso, como revela o FMI em uma nova análise da conjuntura europeia, o extremamente alavancado sistema bancário da zona do euro permanece vulnerável. Recuperada mesmo, por enquanto, a Irlanda. Será?
Os fundamentos econômicos da crise são claros e conhecidos. Quando tudo funcionava, o mundo crescia e todos estavam felizes, empresas e países tomavam empréstimos em condições mais favoráveis do que nunca, se alavancavam, confiando em um período de crescimento longo e sem solavancos. Resultado?
A crise chegou, o crescimento acabou e...o dinheiro sumiu. A conta parou de bater, começou a ficar no vermelho, também chamado de déficits em conta corrente. Esses déficits, que em nada tinham a ver com déficits fiscais, como diziam os alemães, foram o principal indicador da crise. As contrapartidas domésticas desses déficits externos poderiam ser enormes déficits fiscais (como na Grécia), enormes déficits financeiros privados (como na Irlanda e na Espanha) ou uma combinação dos dois (como em Portugal).
De fato, agora sabemos que a distinção entre déficits e endividamento privados e entre déficits e endividamento públicos é muito menos absoluta do que no entendimento dos sacerdotes fiscais: dívida privada torna-se dívida pública e déficits privados tornam-se déficits públicos muito rapidamente. Em meio a uma crise, grandes déficits externos também resultam em "paradas súbitas" no afluxo de financiamento externo, daí a necessidade de suporte oficial para financiar os déficits em conta corrente e fiscal em curso e a fuga de capitais. (Te lembra algum país tropital, ali na América do Sul?))
Um país com um setor privado sobrecarregado de dívidas que esteja também tentando reduzir seu enorme déficit fiscal estrutural precisa gerar uma melhoria compensadora em sua conta corrente. Isso é uma questão de lógica. Consideremos Portugal. Segundo o FMI, o país teve um déficit em conta corrente equivalente a 10% do Produto Interno Bruto (PIB) no ano passado, um déficit fiscal de 7% do PIB e, portanto, um déficit implícito do setor privado igual a 3% do PIB. Para que o déficit orçamentário possa ser melhorado sem elevar o déficit do setor privado, a conta corrente precisa melhorar substancialmente. Mas isso implica aumento de competitividade. O desafio de competitividade com que se confrontam esses países é muito maior do que o enfrentado pela Alemanha no fim dos anos 1990.
Independentemente do ajuste financeiro, alguém precisa também arcar com os prejuízos decorrentes de incobráveis concessões e tomadas de empréstimos passados. Em seu descortino, a zona do euro decidiu que o prejuízo dos credores do setor privado deve ser socializado e que o ônus recaia sobre os países deficitários. Os contribuintes, então, sofrerão, primeiro recessão, e depois, anos de austeridade fiscal. A justificativa para tudo isso é a visão fortemente assumida, particularmente pelo Banco Central Europeu (BCE), de que a zona do euro não pode dar conta de eventuais calotes, seja no caso de empréstimos a bancos ou de empréstimos a governos. Mais uma vez, dissolve-se a distinção entre dívida pública e privada.
Mas o problema com a estratégia de impor o ônus aos contribuintes em países tomadores de empréstimos é que provavelmente não dará certo. Como uma proporção cada vez maior dos financiamentos acaba em fontes oficiais, é provável que elas acabem arcando com os custos politicamente explosivos quando as dívidas são perdoadas. Alguma "participação do setor privado", ou pelo menos alongamentos de prazos de vencimento serão também necessários. Assim, também precisará haver cancelamento de empréstimos a bancos falidos e subsequente recapitalização de instituições financeiras abaladas.
Esse tipo de crise é de difícil solução. Como deveria ser financiado o ajuste? Quem deveria arcar com os prejuízos? Como deveria ser minimizado o pânico? Os desafios são enormes. A estratégia atual exige cada vez maior financiamento oficial por períodos cada vez mais amplos. Será viável? Se não, alguém precisará repensar a questão. Sem Strauss-Kahn, eu me pergunto, quem agora será capaz de apontar o caminho.